- Beca Yamashita

- 6 de jun.
- 3 min de leitura
O humor não é passe livre para ofensas e apologia à violência. Isso é óbvio, certo?
Acredito que esses casos polêmicos que tomam conta da mídia são oportunidades para aprofundarmos a reflexão sobre como chegamos ao ponto de pessoas se sentirem à vontade para falar, em público e em plataformas de grande alcance, esses absurdos sobre crianças, mulheres e minorias em geral.
Mas, pra quem teve a sorte de não saber do que a internet está falando, aqui vai um breve (breve mesmo) resumo da polêmica:
Um “humorista” com muito alcance nas redes e nos palcos vem sendo alvo de “polêmicas” por suas “piadas” com apologia à violência e ao abuso físico e sexual contra crianças e mulheres — além de falas racistas e capacitistas (gabaritando minorias, sim). Nesta semana, ele foi condenado em primeira instância por parte dessas falas publicadas em seu canal no YouTube (leia o processo aqui)
E a internet parece dividida entre os que falam o quão absurdo é alguém ter a liberdade de dizer tais atrocidades e os que sentem que devem defendê-lo sob a alegação do direito à liberdade de expressão.
Agora que você já está mais por dentro do assunto, quero aprofundar a conversa para entendermos como chegamos até aqui.
O extremo nos assusta, mas, para que alguém se sinta confortável em dizer essas coisas, é necessário:
• um público fiel que o defenda, ria, ache graça e se sinta representado por essas falas;
• normalizar situações “menores” que também violam os direitos das crianças.
Basta entrar em qualquer rede social para ver quantas pessoas estão apoiando um “humor” que envolve a chacota com crianças. Frases como “odeio crianças”, conteúdos “cômicos” de influenciadores debochados que engajam com vídeos que incentivam violência e a desumanização das crianças, trends que expõem crianças em seus momentos vulneráveis ou que usam sua inocência para “fazer rir.” É aí que começa a normalização do uso da imagem de meninos e meninas — e de qualquer outra minoria — para entreter à custa da dignidade deles.
Quantas vezes já rimos de vídeos que mostram crianças em situações vexatórias?
Indignar-se com o que o “comediante” disse é superficial se não analisarmos como chegamos ao ponto de alguém como ele dizer o que diz.
E é por isso que eu — e muitos outros profissionais da infância — insistimos na necessidade de proteger a infância com nossos “mimimis” e “exageros”. Porque, se não pararmos de nos entreter às custas da inocência e da vulnerabilidade das crianças, pessoas como o dito “humorista” continuarão a surgir. Continuarão a se sentir seguras para dizer, em forma de “piada”, absurdos que incentivam a violência contra crianças, que fazem apologia ao abuso sexual e que são amplamente defendidos por quem se identifica com esse discurso que, na prática, é fatal para muitas crianças no mundo.
Defender a infância não pode ser apenas defender os nossos filhos. Defender a infância é pensar em como precisamos nos envolver, de verdade, para que a internet não seja uma terra sem lei onde se insiste em vulnerabilizar a infância.
“Mas o que fazer, então?”
Seguir firme numa educação que respeita crianças e as trata com humanidade. Não compactuar com quem defende esses discursos e, sempre que possível, defender a dignidade das crianças.
Quanto mais constrangimento — através das nossas atitudes conscientes — esses “piadistas” sentirem, menor será a coragem de dizer o que pensam. E esse silêncio será um benefício para todos.
Gosto de acreditar, de forma otimista, que somos um número considerável de pessoas que se indignam com essas falas. E gosto de acreditar, principalmente, que jamais permitiremos que falem nada parecido — ou remotamente desrespeitoso — com crianças na nossa presença.




